» Virando Sucupira

Na peça “O bem-amado”, de 1962, Dias Gomes apresenta o célebre prefeito Odorico Paraguaçu. No texto, o mandatário decide construir um cemitério para a cidade de Sucupira e, na ânsia de inaugurá-lo ainda no mesmo mandato, passa a procurar um morto, ainda que precisasse produzi-lo entre os cidadãos. É uma alegoria perfeita para a necropolítica que vemos hoje em força.

Em Itabirito, nosso Orlandico promete reduzir mortes na BR-040 produzindo morte no interior do município. A proposta de reduzir o trânsito de carretas na rodovia federal passa por destruir uma área de mata atlântica e trazê-las para uma área povoada, de potencial turístico, e matar-nos aqui.

A “solução” para os acidentes na BR é repleta de falsas equivalências e é típica da demagogia de um político em ocaso. Primeiro, a região sinuosa da nova estrada não é desabitada nem por humanos nem por fauna e flora em risco de extinção; poupar vidas humanas nas BR equivale, nesse caso, a escolher outras para morrer. Segundo, quando também falam em redução da emissão de carbono, a proposta de escape à 040 pretende destruir exatamente aquilo que consome CO², numa vasta região de mata atlântica na Serra da Moeda. Trata-se de um devaneio megalomaníaco de fazer inveja aos militares da transamazônica.

Como em toda demagogia, o político diz o que a população quer ouvir e esta ouve o que quer. O discurso parece justo e preocupado com vidas e desenvolvimento econômico; esconde o descarte quase criminoso de algumas localidades e a destruição sistemática de biomas e nichos ecológicos. Esconde interesses escusos e explora a fragilidade que a própria administração municipal cuidou de ampliar. Como sugeria Hitler, criam-se problemas que nunca serão resolvidos, para que sempre seja possível prometer extingui-los.

Na peça de Dias Gomes, Odorico é reeleito; a imprensa é desacreditada, o dissenso é calado e tudo segue na mesma. Em 1962, contudo, não era possível levantar um movimento como o Vozes do Bação e fazer-se ouvido internet afora. Quem tem ouvidos que ouça!

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