» Cidade-cemitério

É novembro. Itabirito mal inaugurou sua temporada de Natal no comércio e viu a água do rio subindo ruas acima. Não bastasse essa dor, o município conta ainda com vários pontos de risco geológico nos quais a terra dos morros se liquefaz com tanta água e escorre levando o que tiver no caminho. A prioridade da administração, contudo, parece ser impermeabilizar o solo ainda mais e provocar mais deslizamentos e alagamentos.

Problemas com chuva agravam-se com grandes populações. Nas chuvas que assolaram o estado de São Paulo em fevereiro de 2022, as cidades atingidas, consideradas cidades-dormitório que servem à grande São Paulo, tiveram um boom imobiliário e quase dobraram de tamanho nos últimos 20 e poucos anos. Construções irregulares, impermeabilização do solo, lixo. Em Belo Horizonte, a avenida Vilarinho é exemplo frequente do que pode acontecer nessas condições. Itabirito pode estar ensaiando um agravamento nos problemas que tem.

A administração municipal está inclinada a entregar o distrito de São Gonçalo do Bação para as mineradoras tanto extraírem quanto escoarem nossas riquezas minerais. A essa entrega corresponde uma intensa degradação de áreas verdes, nascentes e olhos d’água, impermeabilização do solo, comprometimento da vida selvagem; também pode corresponder à degradação do patrimônio histórico, à especulação imobiliária e à ocupação irregular dos espaços, com a explosão demográfica de um vilarejo que continua enfrentando falta d’água. Com mais gente, as voçorocas, grandes precipícios formados por erosão hidráulica e deslizamentos, podem significar mais tragédia. Com mais asfalto e mais áreas impermeabilizadas, a enxurrada que deixa o distrito e alcança Itabirito via ribeirão Carioca pode chegar com mais força e provocar mais estragos.

Junte-se a tudo isso o tráfego incessante de carretas e o bucólico paraíso rapidamente faz-se um verdadeiro inferno. A proposta da Prefeitura é acabar com as mortes na BR-040 trazendo o trânsito que mata para mais perto; as mortes vão trocar de lugar. Lugarejos pacatos vão dar lugar a barulhentas carretas e os moradores vão ter que aprender a lidar com uma ameaça incensante. Com o tráfego de cargas intenso, a lama do minério e dos barrancos escorridos, trazida nos pneus das jamantas, há de sujar nossas igrejas, becos e chafarizes e sacudir nossas obras mais importantes e já tão mal cuidadas. Nesse cenário, a sede do município também pode somar vítimas à tragédia.

A administração, que ora tenta fazer um sucessor, parece viver num mundo de fantasia em que nada disso vai ter impacto negativo sobre a cidade. Fala de empregos, de desenvolvimento e até de redução da emissão de gás carbônico num discurso hipócrita e demagógico que encanta muita gente que não entende os custos. Os gestores parecem sonhar a diversificação da atividade econômica, mas entregam a cidade à mineração, como se o mundo fosse acabar amanhã. Cada vez mais dependente das gigantes extrativistas que não param de chegar, Itabirito há de tornar-se cidade-fantasma, um poço abandonado e sem valor. Deixa de fazer história para virar história.

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