» Um breve panorama

É manhã de inverno. Enquanto olho pela janela a linda paisagem que me rodeia, escuto uma empresa local anunciar vagas de emprego. A demanda por vagas sempre esteve nas pautas da população. O poder público por aqui ausenta-se de tal maneira que, com alguma frequência, nos últimos 5 anos, faltou ônibus. É natural que haja um sentimento de falta de oportunidades, sobretudo entre os mais carentes. Desse projeto de exclusão, aproveitam-se os empreendimentos minerários, prometendo vagas de emprego que vão solucionar os problemas da região.

São Gonçalo do Bação é um simpático distrito histórico de Itabirito, em Minas Gerais. O subsolo é rico em minério de ferro e, por causa disso, o vilarejo está sob o cerco constante da exploração minerária. Além do potencial extrativista, contudo, o distrito é rico em belezas naturais, produção cultural, recursos hídricos e mesmo patrimônio histórico, com sítios arqueológicos em processo de tombamento. Apesar dos transtornos recentes com a construção de um muro de contenção de rejeitos, construído aqui para o descomissionamento do complexo de Forquilhas, a 10km, o arraial continua bucólica e idilicamente sossegado.

Em 2018, um terminal de minério iniciou sua instalação sem anunciar-se à comunidade. Por pressão popular, encabeçada pela Associação Comunitária (ACSGB), conseguimos uma reunião onde podemos interpelar os empreendedores – Bação Logística – acerca de suas intenções e funcionamento da instalação. As respostas levaram parte da comunidade a desafiar a continuidade do empreendimento e, até o ano de 2022, as vitórias da Associação conseguiram adiar a voracidade do capital minerário da empresa. Entre as alegações da empresa que levantaram suspeitas estiveram números imprecisos sobre a outorga de água do ribeirão Carioca, o número variável de empregos, que foram de 13 a 100 em poucas conversas, a quantidade de carretas diárias e geração de barulho e poeira que colocariam em risco o patrimônio histórico – e a saúde dos moradores.

De volta com uma vingança

Em 2020, debaixo da pressão incessante da Associação, o Ministério Público de Minas Gerais entendeu a necessidade de Estudo de Impacto Ambiental (EIA), por julgar que o terminal integraria, necessariamente, o complexo minerário mineiro e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente deveria ser aprovado pelo Conselho Consultivo e Deliberativo do Patrimônio Cultural e Ambiental de Itabirito (CONPATRI) e pelo SUPRAM. A empresa suspendeu as obras, alegando ter acatado a recomendação do MP de bom grado, sem nunca ter avançado com o processo de licenciamento.

Em 2022, o empreendimento reemergiu disfarçado. Ao invés de submeter o EIA/RIMA ao SUPRAM, o agora Terminal Ferroviário de Bação propunha ao Invest Minas e a SUPPRI(Superintendência de Projetos Prioritários) que o intento do empreendimento era desafogar o trânsito na BR-040 e reduzir a emissão de gás carbônico. Na primeira votação do Conpatri naquele ano, o empreendimento, mesmo assim, foi derrotado por 8 votos contrários contra 2 favoráveis – resultado que foi apelado. Na votação seguinte, o empreendimento recebeu parecer favorável, com 7 votos a 3, numa demonstração inequívoca do apelo do terminal.

Meias verdades

Um dos pontos mais críticos na apresentação inicial da empresa era a quantidade de água que seria demandada ao ribeirão Carioca. O número variou tanto quanto a oferta real de empregos diretos gerados pelo empreendimento. Na apresentação mais recente, sem que tivessem os números reais mais uma vez, a empresa garantiu que o Serviço Autônomo de Saneamento Básico (SAAE) forneceria o necessário. O SAAE também não informou a dimensão da outorga. O distrito, no período de seca, tem problemas de abastecimento.

Outro ponto frequentemente ignorado é que, à altura da primeira reunião em 2018, o comandante da Polícia Militar de Minas Gerais responsável pelo patrulhamento da região deixou claro não ter condições de lidar com o aumento da demanda, que hoje fica a cargo do município de Ouro Preto. Além disso, demandas de trânsito também podem sobrecarregar a Guarda Civil Municipal de Itabirito. Hoje, o distrito enfrenta problemas com praticantes do chamado “grau” – nome que se dá à prática de empinar a motocicleta apenas sobre a roda traseira. Apesar dos relatos de violência, as forças locais da lei e da ordem revelaram-se incompetentes para lidar com o número de praticantes.

A omissão da empresa sobre questões centrais é prática antiga na divisão que promove na comunidade São Gonçalo do Bação. Na sua primeira roupagem, a empresa apresentou, com a assinatura da Agência de Desenvolvimento Econômico dos Inconfidentes e Alto Paraopeba – Adesiap – uma pesquisa para a qual não demonstrou métodos nem amostragem. O outdoor foi fixado pelo distrito sem que a própria empresa pudesse apresentar a matemática que teria levado a agência de pesquisa aqueles resultados. Recentemente, o Terminal, que ora patrocina a maior festa popular do município, faz parecer que sua instalação é fato dado, o que não apenas desmotiva os moradores ao enfrentamento – como pode influenciar em seu benefício os preços dos imóveis locais.

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